1. A turma que leciono, com 16 inscritos, tem uma americana, duas pessoas brasileiras (também israelitas) e duas árabes, sendo as outras judias israelitas das mais diferentes origens. E toda a gente sorri quando falo de narrativas nacionalistas, de colonialismos, de identidades complexas ou contraditórias. Sabe bem. Cansado, mas bem cansado, não há como descansar na relva no meio de uma primavera esplêndida. Até que a americanada começa a festa, tal qual como no ISCTE em tempos de fim de ano letivo.
As I lay me down...
...and as they wake me up
2. Os corredores da Universidade Hebraica de Jerusalém têm uma curiosa característica, que se vê muito nos EUA também, mas que aqui está blown out of proportion. Cada edifício, cada corredor, cada sala maior, anfiteatro, cafeteria, you name it, tem uma dedicatória indicando em grandes e visíveis letras quem foram os beneméritos. São nomes de pessoas e famílias um pouco de todo o mundo, mas predominando os EUA. Está lá Barbra Streisand, pois claro :-) Os mais preconceituosos diriam logo: "ah, ha, o lobby judeu". Esta expressão contém insinuações e sentidos antigos que não podem ser tomados inocentemente, invocando teorias da conspiração próprias dos discursos antisemitas. Se pensarmos bem, qual o problema de um "lobby", no sentido de pessoas que se identificam com uma causa, neste caso o sionismo? Outra discussão bem diferente seria a discussão sobre este, claro (mesmo assim diverso nas suas manifestações, da vertente socialista à vertente hipernacionalista), mas ela não é nem nunca foi a que o antisemitismo diz ser ("a conspiração internacional"). Mas o facto em si mesmo de estas pessoas se mobilizarem para contribuir financeiramente para uma universidade, e de quererem o reconhecimento do seu gesto, é apenas estranha para quem vem de um país como o meu onde nunca acontece nada disto, 2 ou 3 fundações à parte. [Dei por mim a fantasiar na relva: tivessem as circunstâncias históricas e culturais proporcionado aos ciganos a sedentarização da sua atividade comercial, e tivessem eles professado uma religião baseada na cultura escrita e na especulação intelectual e, na sequência dos nacionalismos do século XIX, certamente teríamos hoje um estado cigano algures no Norte da Índia, com contributos da diáspora cigana, e provavelmente com um conflito com indianos desapossados de casa, terra e autonomia...)
3. Converso com o meu amigo Or, que já conhecia de 2010. Trocamos ideias sobre as minhas hipóteses de pesquisa aqui, ainda tão vagas, ainda tão à espera da surpresa, da epifania, do fio de novelo para desenrolar, da bola de neve. Explico-lhe como me interessam identidades contraditórias, ambíguas, e assim. Praticamente nesse momento encontramos no elevador um estudante de pós-graduação, apressado e excitado, que vai a correr para a TV para contrariar declarações homofóbicas de alguém ligado à Câmara Municipal. Fico a saber que este ativista cresceu na tradição Haredi, ultra-ortodoxa, tendo saído dela certamente ao assumir-se como gay. Aí está uma identidade em movimentos complexos.
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