"Dia de Jerusalém". Celebra a reunificação/ocupação da cidade em 1967. Além das cerimónias de estado, é costume sairem à rua muitos jovens sionistas e não são raras as situações de provocação e confronto em bairros predominantemente árabes. A banda sonora do dia é, aliás, estranha: muita juventude na rua, celebrando num modo entre a manifestação, a simples passeata, e o carnavalesco; silêncio e circunspeção árabes. Aqui, claro; e helicópteros sobrevoando constantemente. De manhã ainda as coisas não tinham escalado e fui ao shuk, ao mercado. Nesta minha estadia o modo é o do viajante subjetivo, chamemos-lhe assim. Não é o modo jornalista, nem o modo turista, nem sequer, ainda, o modo antropólogo. Não sigo os protocolos de nenhum deles, mas deixo-me simplesmente impregnar, sentir, ver - numa atitude de prospeção, em suma.
Compro cerejas-passa a dois mercadores com quem tive mesmo de falar em hebraico (mal):
Conversei com este vendedor de pão. Ele estava convencido que Portugal era na América do Sul e eu, pobre tuga, tive lhe falar em Sfarad (Espanha) para que percebesse que é na Europa...:
Mais abaixo na rua, o rapaz que me vende tabaco, mal me ouve dizer "ani mi-portugal" começa a falar espanhol, perguntando-me, "ah, fala espanhol, não é?". "Bem, falar até falo, mas a minha língua é o português". "Ah, sim, claro, desculpe: 'obrigado', 'frango'". ("Frango?" What the... Ainda não vi Nando's aqui). Curioso é que, por via da nacionalidade, acho que parte do princípio de que sou cristão, e sugere-me a ida à Via Crucis, ao Santo Sepúlcro, a Nazaré. Explico que a Nazaré não fui, mas andei pela Galileia há dois anos. Ele imediatamente liga a Galileia ao Líbano, diz que tenho de lá ir, "cristãos e muçulmanos juntos" (pois...). Adivinho que é árabe cristão. Pergunto. Confirma. Bingo.
Pela primeira vez nesta estadia fui à Cidade Velha. Estava a armar-me em não-turista. Na Porta de Jaffa, o carnaval do Dia de Jerusalém: os turistas de sempre, os soldados (em excursão, neste caso), alguém a fazer de cavaleiro medieval, repórteres. Jerusalém tem o seu quê de Disneyland, só que uma em que acontecem coisas a sério e sérias.
Perco-me na Cidade Velha. Deixo-me ir até à secção muçulmana, para fugir às celebrações, à quantidade de adolescentes correndo e cantando com bandeiras. As lojas estão a fechar. Saio pela Porta de Damasco, que dá para Jerusalém Este, a parte árabe e reunificada/ocupada. Sente-se um clima. Mais soldados, estes definitivamente não em excursão. Começam a colocar barreiras na rua defronte. Saio por pouco. Há repórteres, de TVs israelitas e outras. Uma altercação ao longe. O quê exatamente, não sei. Sirenes. Ao meu lado, dois miúdos, não teriam mais de 12 anos, um judeu, com a t-shirt sionista dos celebradores do Dia, o outro árabe. Trocam palavras duras, provocam-se, tocam os ombros, miúdos em pátio de escola. Nada acontece. Adultos, judeus e árabes, mandam-nos estar quietos. Duas mulheres árabes explicam-me que, entretanto, foi cortado o trânsito na zona, montado um checkpoint.
Subo de novo na direção da Porta de Jaffa. Pouco antes, e graças a ter ficado sentado a apanhar sol ao lado de dois soldados que falavam russo entre si, vejo chegarem 4 figuras totalmente pintadas de branco, vestidas de soldados, com armas. Tratava-se obviamente de uma performance. O branco é a cor do Dia de Jerusalém. Os figurantes, que assim provocavam a militarização e instigavam reações, estavam a ser provocados por miúdos que cantavam slogans sionistas. (São de facto performers - estes (obrigado, Internet)):
[Escapo à massa de adolescentes, bandeiras, e o som dos helicópteros. Jovens religiosos dançam ao som de música techno bem alta no cimo de uma furgoneta. O dia termina numa nota bem diferente, numa simpática livraria-café, a Tmol Shilshom, escondida num logradouro a que se chega aravés de um beco, como muitos tesouros nesta cidade. Para ouvir um jurista americano, Frederick Hertz, falar de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Sobre isso, no Snake&Snail].
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